sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

As virtudes na ética da antiguidade, cristã e contemporânea

Virtudes são disposições para agir bem, requerem o cultivo de hábitos que levam a uma boa e bela vida, não só a do indivíduo, mas práticas que promovem o bem comum.
Na ética antiga as virtudes cultivadas eram as da sabedoria, prudência, fortaleza, coragem, autodomínio, liberdade para exercer sobre si mesmo um controle prudente dos desejos e das paixões, em nome do equilíbrio, da moderação. Nada é ditado ou imposto do exterior por alguma autoridade moral ou política. Por exemplo, ser magnânimo, isto é, aberto, condescendente, capaz de superar dificuldades, ter um espírito livre, é melhor do que ser raivoso, cruel, mesquinho.
Não havia a noção de repressão, de castigo, de punição, prevalecia o cuidado consigo o que requer conhecimento de si. O "Conhece-te a ti mesmo", antigo preceito que Sócrates adotou, significa que sem o logos, sem o conhecimento de si, sem a verdade, nenhuma das virtudes pode ser praticada.
A ética cristã é modelada por outros princípios, daí outras virtudes. Vida regrada em nome da pureza, da castidade, da humildade; o desejo deve ser reprimido, o corpo é carne e esta pode levar à impureza, ao pecado. Os prazeres precisam ser controlados, é melhor sofrer o desprazer, ser rígido e reconhecer-se como pecador, para assim purificar sua alma, do que ser escravo das paixões. Há que seguir os preceitos de uma moral rígida e que vale para todos, da mesma forma.
E hoje? Penso que vale a pena recuperar alguns valores da ética antiga, pois estão ligados à verdade e à liberdade.
As virtudes mais prezadas no mundo atual estão ligadas à manutenção da vida, à luta pela sobrevivência, à defesa da privacidade, à busca do bem-estar, em especial o do corpo saudável.
Quando se menciona a prudência, é a com relação a algum tipo de risco, violência (assaltos, acidentes de trânsito, perigos e riscos físicos). Quando se aconselha o autoconhecimento, não se visa engrandecimento pessoal, mas pôr sua existência sob o crivo de um especialista, esperando que ele ou ela dê conta de seus problemas, o libere da angústia e dê algum sentido à sua vida. Quando se fala da prática da sabedoria, confunde-se com inteligência (sabedoria medida por um teste de QI...) ou com aquilo que gurus têm, mas que é inalcançável para o comum dos mortais.
Quando se fala em equilíbrio, moderação, pensa-se logo na boa forma ou no novo mal do século 21, o peso do corpo, há que ficar atento ao índice de massa corporal, seu excesso ou sua falta.
Quais seriam, então, as nossas atuais virtudes, se é que essa preocupação com uma ética das virtudes ainda faz sentido?
Infelizmente predomina a ética do empreendedor. Realização pessoal passou a ser realização profissional; ser ético, é no trabalho, para realçar a imagem da empresa e evitar processos; espírito livre e magnânimo, são atitudes que sequer fazem sentido...
O processo de formação, de construção, de educação, deveria incluir algum tipo de reflexão sobre ética, valores e virtudes. Se as crianças tiverem essa formação, algumas são manipuladoras, ditadores mirins, exigentes e autocentrados, haverá menos adultos frustrados e por vezes violentos.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Tempo e temporalidade


A maioria dos filósofos se debruçou sobre esse intrigante e essencial problema: o que é o tempo?

Passagem, movimento, eterno, infinito, retorno, progresso, mudança são conceitos que acompanham o de tempo e ajudam a entender melhor o que é, como é o tempo.

Aristóteles o define como "medida do movimento segundo o antes e o depois", quer dizer, um movimento qualquer de um corpo no espaço se inicia, pode ser observado e calculado, e depois cessa. Essa possibilidade de medir o movimento, é o tempo. Prático, sem dúvida, mas não responde a alguns nossos anseios, digamos, metafísicos.

Para Sto Agostinho há apenas o presente, o passado já não conta (pois passou) e o futuro ainda não chegou. Mas como o presente se esvai, os momentos são todos passageiros, o que resta?

Ciclos de evolução de todas as coisas e a mudança levam a discussão para a história. História do universo, sem começo e sem fim, infinito, em expansão constante (será?); história do planeta Terra, que antropólogos e biólogos pesquisam e que se inscreve nas evidências arqueológicas; história dos feitos da humanidade, escrita em documentos, trasmitida nas diversas culturas, linguagens, hábitos e mitos; e tempo existencial, o do nascimento, vida e morte.

A vivência no tempo, é também a vivência do tempo.

Explico: "Estou sem tempo", "Se apresse", "Ainda há tempo", "É cedo", "Tarde demais", "Tempo esgotado","Chegou a hora", estamos imersos e dependentes do tempo, tempo como sucessão cronológica, medida pelo relógio e pelo calendário. Mal nasce e a criança é mergulhada em escalas, e de adapta aos ciclos de fome e sede, dia e noite, cedo, tarde, agora, nunca. Além disso, nossas vidas se estendem na temporalidade, no tempo existencial, aquele que não é medido. Fugir do tempo em uma suposta eternidade, é impossível.

Daí a conclusão de Heidegger, filósofo alemão cuja obra mais conhecida é "Ser e Tempo" (1927): o ser humano é ser no tempo, isso define nossa essência. Os filósofos antigos pensavam o tempo como exterior ao homem, Heidegger pensa o tempo como integrante da existência. O dom dos homens é o de se dar como presença. Traduzindo: podemos "agarrar" nosso ser exatamente no momento em nos percebemos como dádiva da temporalidade.

Não há férias do tempo, ele só pode parar, em certo sentido, pela repetição, pela memória, e mesmo quando se preserva o passado, ele se desgasta. REviver o passado, só se o fizermos no presente. Transitamos pelo caminho deixado pela memória e dependemos de nossos pro-jetos para o futuro. Talvez por isso a perda da memória seja o mesmo que a perda de nosso ser humano, ser no tempo. Talvez por isso DESesperar seja perder a capacidade de esperar, de confiar.

Sujeitados ao tempo, ele revela nossa fragilidade.

sábado, 18 de dezembro de 2010

O desejo por imortalidade

Desde tempos imemoriais, quando os homens se descobriram mortais, negar a morte, prolongar a vida, preservar corpos, cultuar os mortos por meio de túmulos, pirâmides, monumentos, oferecer sacrifícios, enfim, tentar de alguma forma ser imortal - esse tem sido o desejo maior das pobres e mortais criaturas...
A literatura e a filosofia, entretanto, com seu poder de abstração, de reflexão e de imaginação, ensaiam como seria a realização desse desejo em personagens e obras.
Simone de Beauvoir Em Todos os Homens são Mortais (1946), descreve o drama de um personagem imortal, que, pasmem, é infeliz com essa condição. O efeito mais drástico, é o da solidão.
Jorge Luis Borges no conto O Imortal, relata a vida de um soldado da época de Diocleciano, que ouvira falar do Rio da Imortalidade e sai em busca desse rio. Para essa empreitada recruta soldados e mercenários, que, uns após os outros, morrem. Após dias de busca solitária, e de uma noite de pesadelo, acorda com sede e bebe de um arroio. Ele chegara a um país estranho, de trogloditas que moravam em cavernas. Ao fundo há uma cidade abandonada. Penetra em um palácio cuja "arquitetura carecia de fim", escadas que levam a lugar algum, sem simetria, sem serventia.
Acontece que os trogloditas eram imortais, e aquela cidade foi sua última obra, depois a vida deles se tansformou numa espécie de letargia, de volta sem fim, de ensimesmamento. Nada faz sentido, nada tem valor. Sofrer sede e fome, e nem assim precisar de alívio. A imortalidade os condenou à indiferença, não há mérito, não há vício nem virtude. O que não significa estarem eles para além de bem e mal, nem poderiam ser confundidos com ascetas do deserto, pois viver absorvidos em seu pensamento, era seu único consolo.
O soldado vai embora da cidade, sai em busca de um rio que lhe devolva a mortalidade, a humanidade, o desejo, o prazer, a dor. Séculos depois, sabe que os encontrou quando se percebe ferido, sangra, sente dor.
Morrerá...
E hoje? Cirurgia plástica para rejuvenecer, botox, academia, vitaminas, bailes de terceira idade, namorar, pílulas azuis -, são recursos alardeados por governos e pela indústria da saúde. É preciso a todo custo buscar a juventude, negar a morte, sob o pretexto de ser saudável. Amar se transformou em vitalidade sexual. O prazer de uma caminhada se transformou em passos medidos e avaliados pela eficácia. O que faz mal, o que faz bem: a vida transposta para essas duas colunas do que fazer (para não morrer!?).
Cultivar o sossego, a paz de espírito, o despreendimento, a sabedoria dos que se sabem mortais, aceitam essa condição, e dela usufruem, agora é visto como esquisitice.
Interessante essa "evolução" que passou da preservação de cadáveres, múmias com direito à vida eterna, às quase múmias plastificadas nos centros de estética. Incrível que estética tenha também sofrido uma mutação, passou de busca do belo, à busca de beleza à custa de bisturi, agulhas e picadas.
Quase ia esquecendo: a moda dos vampiros, glamorização e tragédia se juntam em mais um espetáculo sobre a vida eterna, que, aliás, vende muito bem!

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sobre Ets e bactérias gulosas

Semana passada foi noticiado amplamente e com certo estardalhaço, que cientistas da Nasa fizeram uma descoberta extraordinária. Um tipo de bactéria retirada de um lago supersalgado, o lago Mono, situado na California, quando "alimentada", digamos assim, por arsênico, elemento próximo do fósforo e letal, ao invés de morrer, sobreviveu.
Talvez não fosse uma bactéria com tendências suicidas!
Ironia à parte, esse experimento levou a uma conclusão no mínimo curiosa. A de que a vida pode sobreviver em condições que nunca antes foram observadas. Apenas certos elementos químicos são responsáveis pela vida, tal como a conhecemos: oxigênio, hidrogênio, carbono, fósforo, enxofre, nitrogênio. O arsênico, substituindo o fósforo na composição química daquela bactéria, fez pensar que há vida tal como não a conhecemos.
Há duas premissas no raciocínio, que são corretas:
- Vida se compõe de 6 elementos químicos, invariavelmente.
- Ora, uma bactéria sobreviveu com um elemento químico diverso, arsênico.
Mas a conclusão não se depreende dessas premissas:
- Logo, há outras formas de vida no universo.
E essa conclusão foi proclamada como prova de que há vida, de que há sim ETs!
Mas atenção, vida como nós a conhecemos não significa que vida como não a conhecemos seja a prova da existência de seres extraterrestres.
Apenas amplia as possibilidades de formas elementares de seres vivos deste planeta, a Terra.
Condições para haver vida em outros planetas, na infinidade e na misteriosa expansão do universo, pode-se tanto apostar que sim, como que não!
Em geral quem defende a hipótese de vida fora da Terra, entende que se trata da vida inteligente, o que é, no mínimo uma extrapolação, uma projeção, a meu ver absurda, de nossas formas de vida.
A diferença estaria na cor, esverdeada; nas orelhas, pontudas; nos dedos, finos e compridos; nas cabeças, cônicas, etc. Mas pensam e falam!
É sempre uma projeção esquisita de nossas espécies, em particular a humana, mas também de alguns animais, como leões, formigas, cães e gatos... Não me lembro de nenhum filme de ficção que em que a criatura de outro planeta seja semelhante a hipopótamo, acho que eles são já estranhos demais para nós mesmos.
Enfim, o que a ciência pode demonstrar depende de pesquisa, de teorias, de hipóteses. Nossa atual teoria é a darwiniana, da evolução. Para haver evolução várias condições concorreram, muitas aleatórias, gerações surgiram, outras desapareceram, o ambiente foi ora hostil, ora propício.
De modo que dificilmente essas mesmas condições se dariam fora de nosso planeta a ponto de surgir vida, mesmo a da bactéria "gulosa", como a do lago salgado.
Além disso, há nosso modo único, humano, de criar, de se comunicar, de usar um vocabulário e conceitos, de haver um tipo de cultura investigadora, como é a cultura ocidental, desde há alguns séculos. Exemplo, a própria Química, com suas descobertas, leis, teorias, experimentos.
É tudo humano. É humana também essa noção de expandir a curiosidade para outros mundos, de imaginar que há seres inteligentes, mas inteligência é mais um desses modos pelos quais caracterizamos e atribuimos, a nós mesmos, certas capacidades.
Essa é uma posição cética, dirão alguns. Melhor assim... Mas se alguém quiser apostar em crenças ingênuas, até mesmo muito divertidas, o melhor mesmo é o Et de Varginha...